Do Xingu a Xangai
Fernanda
Figueiredo
Publicado em vários blogs em 2011.
Em 1987, um facão
afiado entraria para a história. A índia Tuíra desafiava o presidente da
Eletronorte, em razão da construção de duas hidrelétricas.
Para defender o seu
povo e seu habitat, aos olhares de uma plateia atônita, composta de
ambientalistas, convidados e centenas de jornalistas estrangeiros que cobriam o
I Encontro dos Povos do Xingu, Tuíra partiu com o seu facão na direção do homem
branco que insistia em construir as duas represas: Babaquara e kararaô.
Hoje, o mesmo embate
se redesenha e o nome Kararaô alterado para Belo Monte. A UHE Belo Monte vem
com slogan governamental da terceira hidrelétrica do mundo. Com o retorno dessa
discussão, são inúmeros os artigos, o protesto dos índios, o engajamento de
cineastas hollywoodianos, paralisações nos canteiros de obras, embargos,
demissões, muita encrenca no Ibama, a falta de licença de instalação, a saída
de consorciados e, por último, a manifestação da Comissão de Direitos Humanos
da Organização dos Estados Americanos - OEA.
Basta apenas um
mergulho nas águas turvas do Rio Xingu naquele cenário lúdico, para se respeitar
o Xingu, um símbolo da Amazônia. Difícil imaginar que o percurso daquelas águas
poderia gerar tanta celeuma. É sabido que o projeto é impactante para a
biodiversidade, e, portanto, faz-se necessário enxergar a região do Xingu em
dimensão 3D, e no que de fato esse ecossistema, essa rica diversidade
biológica, contribui para o equilíbrio da região e do planeta.
Há certo desrespeito
no cumprimento da Constituição nos artigos que se referem aos direitos
indígenas e às diversas Convenções internacionais das quais o Brasil é
signatário.
Eis a questão que
norteia debates há décadas: A Amazônia é intocável? De jeito nenhum! A região
precisa, antes de tudo, ser respeitada. Ao se analisar um mega projeto dessa
natureza na Amazônia, vislumbra-se que a região passará a conviver com
desastres ambientais, de maiores impactos. John Muir, naturalista
norte-americano do século XIX, disse certa vez: "Quando
se tenta agarrar qualquer coisa isoladamente na natureza, descobre-se que ela
está ligada a todo restante do Universo.” Interferências, dessa forma, na
Amazônia costumam ser desastrosas.”.
O Rio Xingu atravessa
importantes áreas de reservas indígenas do estado do Pará. Habitats de espécies
como o pirarucu, o maior peixe de água doce do mundo, tambaqui, golfinhos de
água doce, botos e o jacaré Açu, e tartarugas gigantes. Todo o rico complexo de
fauna e flora está ameaçado impossibilitando índios e ribeirinhos de
sobrevivência. Espera-se, ao menos, que as ações de mitigações e de impactos
socioambientais desse empreendimento não sejam maquiadas em projetos e
pareceres.
Do outro lado do
mundo, Xangai a "Cidade Luz"- asiática, mas parece um vagalume.
Embora a China tenha a maior hidrelétrica do mundo, paradoxalmente tornou-se
referência em energia eólica. Segundo novo relatório divulgado pelo Greenpeace,
o Chinese Renewable Enèrgy Industries Association (CREIA) e a Global Wind
Energy Council (GWEC), a capacidade instalada de energia eólica na China até
2020 será equivalente a treze vezes a capacidade da UHE Três Gargantas, no Rio
Yangtse.
Torna-se necessário
repensar outras fontes energéticas neste país ensolarado e abençoado por Deus.
Ou pensar como alternativa às grandes hidrelétricas a construção de Pequenas
Centrais Hidrelétricas – PCHs. Com certeza, de menor impacto e bem mais
aceitável que as termoelétricas. As políticas públicas necessitam avançar muito
mais em alternativas energéticas mais limpas e renováveis. Segundo o que foi
publicado na imprensa, o país investirá R$ 25 bilhões em 141 projetos no
nordeste. E a MP 517 que trata de várias discussões no Congresso prorroga o
Programa de Incentivos às Fontes Alternativas.
Ocorre que o governo
quer investir mais em energia nuclear: muitas usinas estão programadas para o
nordeste, mesmo depois do acidente do césio 137. Um país que não controla o
destino final de uma cápsula radioativa projeta construir mais usinas? É
preciso reavaliar, também, a energia nuclear, diante dessa dimensão de
desastres naturais cada vez mais comuns. Até a Alemanha quer rever seu aval
para Angra 3, depois que o Japão perdeu o controle sobre Fukushima.
O Brasil talvez chegue
aos parâmetros de sustentabilidade quando deixar de construir usinas nucleares
ou implantar projetos faraônicos na Amazônia. Não faz muito tempo Daniel Ludwig
(Jarí) e Henry Ford (Fordlândia) investiram em modelos de desenvolvimento de
efeitos adversos para a região. Vimos outros exemplos dos que construíram as
usinas hidrelétricas, salvando-se alguns macaquinhos, em operações desastrosas.
Na atual conjuntura, o
facão afiado é apontado para o licenciamento e Belo Monte será o teste da
legitimidade e da eficiência ou não da política ambiental brasileira.
Fernanda Figueiredo é
ambientalista, participou do I Encontro dos Povos do Xingu e do Comitê de
Defesa da Amazônia, prestou consultoria ao MMA.
Contato:
fernanda-figueiredo2012@bol.com.br
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