Publicado
em 2006 no portal AMBIENTEBRASIL
Fernanda
Figueiredo (*)
No dia 22 de
dezembro de 1988, tiros ouvidos na boca da noite, ecoaram no mundo. Chico
Mendes fora assassinado. Na época, morava no Rio de Janeiro e acordei com a
notícia que transformaria a retórica ambiental. A grande repercussão do seu
assassinato proporcionou uma nova dimensão às questões ambientais no Brasil. A
discussão sobre meio ambiente saiu dos guetos para as primeiras páginas do New
York Times com grande rebuliço nos mais diversos segmentos e poderes
decisórios.
Havia sonhado na
véspera dessa tragédia com um funeral e nele estava contido uma mensagem de
renascimento, um bebê morreria, mas vários outros nasceriam. Quase premonição.
Vislumbrei que outros Chicos Mendes surgiriam, homens e mulheres lutariam por
essa causa. Usa-se a expressão “é Chico Mendes de saias” para glorificar a luta
das mulheres ambientalistas. Embora considere não tão adequada essa expressão,
uma mulher deu sua vida na luta pela defesa da Amazônia, a americana Dorothy
Stang. Outro assassinato anunciado.
Dorothy, como o Chico, foram marcados
para morrer por uma causa, a luta da preservação da região amazônica. Convivi
com Chico Mendes, meses antes do seu assassinato, quando se refugiou no Rio de
Janeiro, após constantes ameaças que vinha sofrendo no Acre. Era um homem
pacato, de fala mansa, que se dispunha a preservar a floresta, defendia os
seringais e ousou falar ao mundo a palavra Empate, uma maneira
dos povos da floresta impedirem as derrubadas.
Nessa andança pelo
Rio de Janeiro, ele ainda era um ambientalista pouquíssimo conhecido. Algumas
lideranças como Carlos Minc, Liszt Vieira, Betinho e Fernando Gabeira entre
outros viram naquele homem simples, que acabara de ganhar um prêmio
internacional, um porta voz da floresta e da sua gente.
Reconto essa
história para uma geração que não viveu os fatos. Meu sobrinho, o Lucas, ainda
garoto, ao entregar umas flores, foi carregado no colo pelo Chico Mendes. Hoje,
está com 21 anos. Talvez, para ele, seja fundamental reconhecer esse ato
simbólico, que faz parte da sua infância. Esse simbolismo torna-se importante
para meditarmos sobre outras mortes que se sucederam em nome desta causa e que
tem na conservação do planeta, por esta geração e futuras, seu objetivo maior
se o ser humano assim o permitir.
E, passados dezessete anos, ainda
recordo o Chico Mendes contando causos da
Amazônia, quando viajamos para Petrópolis para um encontro com os “verdes”.
Deixava transparecer aquele sentimento de homem puro, de um contador de
estórias, talvez já imaginando que seu destino estava selado nos grotões do
interior do Acre.
No assombramento
daqueles que lutam pelo meio ambiente, o Brasil sofreria mais um abalo. A
morte do Francelmo me faz remeter a poesia do Augusto dos Anjos “No desespero
dos iconoclastas, quebrei a imagem dos meus próprios sonhos…”.
Com mais essa
tragédia, quebrei a imagem romântica, dos tempos que erguíamos faixas em
plena Avenida Rio Branco, no Rio, quando
pouco se falava em ecologia e distribuíamos flores para falar de gás natural,
camada de ozônio, ciclovias.
Hoje, o interesse
econômico continua falando mais alto, criam-se barreiras, fomentam-se políticas
e tentam nos acuar. Nesse contexto, não suportando a pressão, Francelmo chegou
ao extremo de colocar fogo nas vestes para salvar o pantaneiro, a rica fauna da
região e as suas águas.
Lá se vão mais de
vinte anos que escrevi meu artigo sobre “Ecologia” no Jornal do Brasil e, de lá
para cá, muito se evoluiu na disseminação da causa, inclusive em políticas
públicas, mas pouco se avançou na mudança de mentalidade dos que ditam as regras
do poder econômico. Acham que o dinheiro compra um planeta, vida, lembranças.
Onde?
* É ambientalista.
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