Nos anos 70, quando adolescente, meu pai me deu uma carneirinha. O feminino de carneiro é ovelha, e quando pequeno é chamado de cordeiro ou borrego. Quanto à expressão carneira, embora usual, talvez, não seja correta. Detalhes... Logo, fiquei encantada. Rita, uma irmã de coração, colocou o nome de Nandinha. Assim ela foi batizada.
Começou o chamego; Nandinha pra cá; Nandinha pra lá...
A criançada não sabia a diferença entre cabra e ovelha. Vamos esclarecer: Cordeiro, carneiro e ovelha são da mesma espécie ovina, cordeiros são os filhotes, carneiros, os machos e ovelhas as fêmeas. E as cabras são de outra espécie a caprina, são as fêmeas e os machos são os bodes. Para simplificar: Cordeiro (filhote da ovelha) carneiro (macho da ovelha) Ovelha (fêmea do carneiro) e cabra (fêmea do bode).
Para enfatizar: A fêmea do carneiro é a ovelha. A cria de ambos é o cordeiro. Assim, nasceu Nandinha. Baby.
Nandinha ganhou um charmoso laço azul bebê, gracioso e elegante. E foi crescendo, crescendo, me absorvendo... Belo dia... Estava eu naquela vida de adolescente, sem dinheiro; dura.
Chamei meu pai, que era duro na queda e ofereci a Nandinha por alguns trocados. No fundo, sabia que ele não aceitaria tal oferta. Dito e feito. Falou pra mim:
- “Pega estes caraminguás e continua com a Nandinha”. Não lembro quanto foi, mas o suficiente para suprir as necessidades da hora.
Passou algum tempo e Nandinha crescia e comia bastante. Resolvi vendê-la novamente. Afinal, era o único bem que dispunha. Pensei: Vender para quem? Sem escapatória ofereci novamente para o meu pai, como se ele tivesse esquecido este pequeno negócio familiar. Ah! Nem vai lembrar... Pensei!
Conversei com o meu pai. “Acho que terei que vender Nandinha”. Ela está dando muito trabalho, as pessoas estão reclamando do comportamento dela, bagunceira. Enfim, preciso de dinheiro, conversê de sempre. Ele coçou a cabeça, meteu a mão no bolso e falou: “Só tenho estes trocados”. Na verdade, no outro bolso tinha um dindin mais robusto. Então, eu fingi não saber. Enfim, aceitei de bom grado e deu para quebrar o galho da hora.
Passado mais algum tempo, não tinha solução, resolvi oferecer, novamente Nandinha. Ela estava uma bela espécie ovina! E, foi a última vez... O meu velho pai (velho não... Usado, como gostava de falar) se aborreceu e não quis comprar Nandinha.
Por fim, Nandinha virou churrasco. Todos ficaram tristes, especialmente, eu. Não tive coragem de experimentar o churrasco. Era uma festança que tinha um motivo especial. Na recepção, uma visita ilustre. No cardápio entraram, porcos, galinhas, patos, boi e a pobre Nandinha.
Ela sim, tão ilustre...
Fiquei muito triste, ainda mais, me falaram que os carneiros ficam muito tristes antes da morte. Mas, logo superei sua prematura perda. Verdade é que não faz parte do meu cardápio: coelhos que dirá os carneiros. Bom começo para conscientização em defesa dos animais e evitar comer carne.
Só não perdi essa mania de vender minhas coisas, bens. Mora dentro de mim uma cigana de outra encarnação, que não me abandona, gosta de comércio, troca. Nem gosto tanto de dinheiro, mas como disse Nietzsche: “Diante da necessidade, todo idealismo é ilusão”.
“Carneirinho, carneirão-neirão-neirão,
Olhai pro céu, olhai pro chão, pro chão.”
Uma grande lição de vida, que um dia acabaria em comovente relato. Procuro boas histórias. Coisas do acaso. Do cotidiano. (Fernanda Figueiredo.)