 |
Foto Fernanda Figueiredo |
CÉU DE OSCAR
“Sempre que viajava de carro para Brasília, minha distração era olhar as nuvens do céu.
Quantas coisas inesperadas elas sugerem! Às vezes são catedrais enormes e misteriosas — as catedrais de Saint-Exupéry, com certeza; outras vezes, guerreiros terríveis, carros romanos a cavalgarem pelos ares; outros ainda, monstros desconhecidos a correrem pelos ventos em louca disparada e, mais frequentemente, porque sempre as procurava lindas e vaporosas mulheres recostadas nas nuvens.
Mas logo tudo se transformava: as catedrais se desvaneciam em branco nevoeiro; os guerreiros viravam préstitos carnavalescos intermináveis; os monstros se escondiam em escuras cavernas para surgirem adiante mais furiosos ainda, e as mulheres iam se esgarçando, se estendendo, transformadas em pássaros ou negras serpentes.
Muitas vezes pensei em fotografar tudo isso, tão exatas eram as figuram que apareciam. Nunca o fiz.
Mas, sempre que viajo olhar para as nuvens é a minha distração predileta, curioso, procurando decifrá-las como se estivesse em busca de uma boa e esperada mensagem. Naquele dia, porém, a visão foi mais surpreendente. Era uma bela mulher rosada como uma figura de Renoir. O rosto oval, os seios fartos, o ventre liso, e as pernas longas a se entrelaçarem nas nuvens brancas do céu.
E fiquei a olhá-la embevecido, com medo de que se diluísse de repente. Mas os ventos daquela tarde de verão deviam estar me ouvindo e durante muito tempo ela ali ficou a me olhar de longe, como a convidar-me para subir e com ela, entre as nuvens, brincar um pouco.
Mas o que temia tinha de acontecer. E pouco a pouco a minha namorada foi-se diluindo, os braços se alongando com desespero, os seios a voarem como se destacando do corpo, as longas pernas se contorcendo em espiral, como se dali ela não quisesse sair. Só os olhos continuavam a me ficar cada vez maiores, cheios de espanto e tristeza, quando uma nuvem maior, densa e negra, a levou para longe de mim.
E fiquei a olhá-la, inquieto, vendo-a lutar entre as nuvens que a envolviam”
Oscar Niemeyer.As curvas do tempo, Editora Renavan, 1998.