Foto Fernanda Figueiredo
Em fevereiro de 2011,ouvi minha irmã o seguinte comentário: 'Fernanda: este artigo é a sua cara." Li e concordei e, ainda, acrescentei: termina com uma poesia que sempre li e admirei.
ZUENIR VENTURA - Amar o transitório
O Globo/ fev. de 2011.
Carpe diem é uma expressão latina
presente numa ode do poeta Horácio, da Roma Antiga, e que ficou popular no fim
dos anos 80 por causa do filme "Sociedade dos poetas mortos", de
Peter Weir, em que funcionava como lema do personagem interpretado por Robin
Williams.
Quem viu não esquece aquele professor
de literatura carismático que subverteu a caretice de uma escola conservadora,
exaltando a liberdade e a poesia, e ensinando seus alunos a pensar por si
mesmos. Carpe diem significa "aproveite o dia de hoje", ou seja, desconfie
do amanhã, não se preocupe com o futuro, não deixe passar as oportunidades de
prazer e gozo que lhe são oferecidas aqui e agora.
Neste texto, o conselho não tem nada a
ver com a proximidade do carnaval. Ou pode ter, mas essa não é a intenção. Ele me
foi lembrado por um amigo numa conversa em que lamentávamos algumas ameaças à
saúde que atingiram pessoas queridas. Em proporções mais dramáticas, era um
pouco daquilo que Ronaldo Fenômeno resumiu na sua emocionante despedida. Como
as dele, eram derrotas para o corpo. Trapaças que ele apronta na forma de um
tombo traiçoeiro ou do defeito de uma peça do nosso mecanismo.
Falávamos de quanto tempo se perde com
bobagens que nos aborrecem além da conta, deixando passar momentos preciosos
como, por exemplo, uma dessas nossas luminosas manhãs que nenhuma outra cidade
consegue produzir com igual esplendor. Desprezamos por piegas as emoções
singelas e vivemos à espera das ocasiões especiais, de um estado permanente de
felicidade, sonhando com apoteoses e sentindo saudades do passado e até do
futuro, sem curtir o presente. Só quando surge a perspectiva da perda é que
damos valor a deleites simples ao nosso alcance, como ler um bom livro, ouvir
uma boa música, ver Alice sorrir, assistir a "O discurso do rei", ver
o "Sarau", de Chico Pinheiro, receber o afago de leitor(a), voltar a
andar no calçadão, beber uma água de coco ou admirar o pôr do sol no Arpoador.
Foi depois desse papo de exaltação hedonista que meu amigo concluiu que, como o
destino nem sempre avisa quando vai aprontar, urge curtir enquanto é tempo —
carpe diem. O grande poeta pernambucano Carlos Pena Filho, que morreu aos 31
anos num acidente de carro, em 1960, disse mais ou menos o mesmo num dos mais
belos sonetos da língua portuguesa, "A solidão e sua porta", que
termina assim:
Lembra-te que afinal te resta a vida
Com tudo que é insolvente e provisório
E de que ainda tens uma saída
Entrar no acaso e amar o transitório.